Sábado
Sábado foi meu último dia. Minha consciência estava distante, vagando pelo vazio do universo em velocidade inumana, até retornar ao meu lugar de origem. De longe, parecia tudo igual. Apesar da minha ausência, o sol ainda era quente, 70% da superfície era água e as pessoas caminhavam como de costume.
Primeiro, passei no escritório e tudo estava no seu devido lugar. Meus colegas trabalhavam enquanto o café ficava pronto, o estagiário escapando de sua mesa para olhar o instagram enquanto fingia usar o banheiro e meu chefe na sua sala, explicando pra secretária que sua esposa não pode ficar sabendo. Na minha mesa, um novato que tentava desesperadamente pôr meus relatórios em dias.
Apesar de muito rápido, consegui ver meus amigos e familiares. Todos realizavam seus deveres como empregado, pai, mãe, filho, dono de casa, afinal, sempre haverão pratos para lavar. Até que cheguei em casa. Estava tudo silencioso. As plantas estava um pouco murchas, com a terra seca e algumas folhas caídas. O carro permanecia na garagem, mas parecia mais uma peça de museu do que um veículo. Os pássaros do jardim ainda estavam lá, mas não cantavam.
Na escrivaninha, um livro que tinha lido pela metade. Não muito diferente de todos os outros, mas tinha prometido que eu iria me esforçar pra terminá-lo. No banheiro, apenas uma toalha estendida. O chão estava seco e não tinham respingos de creme dental no espelho. Não tinham roupas sujas atrás da porta, nem fios do meu cabelo emaranhados no ralo.
A mesa da sala estava vazia, sem chaves, cartões e tantas outras coisas que saiam do meu bolso. O sofá parecia imenso e a TV ligada para as paredes, sem medir esforços para chamar a atenção de alguém, mas ninguém a notava. Me fez lembrar da época em que tentei ser comediante; de quando escrevia textos para ninguém ler; de quando pintei um sorriso no rosto pra não incomodar.
A casa já não tinha mais o aroma do café, nem a voz rouca cantando à esmo. Minha cachorrinha não balançava mais o rabinho antes de ir passear e minha companheira parecia ter esquecido a combinação do cofre que ela tinha guardado o próprio riso.
Minha consciência cruzou as paredes e parou na cadeira do quarto, em frente ao computador e nenhuma tecla funcionava. Por mais que quisesse, não saiam letras nem palavras. Uma página em branco de um arquivo ainda não salvo que, provavelmente iria ser fechado antes mesmo de receber um título. E minha consciência ficou ali, se aproximando lentamente à tela, até que acordei:
— Amor, que dia é hoje?
— Hoje é sexta, por quê?