Faltou concordância
"Mais uma semana que acaba... e eu aqui, nesse inferno de Dante", pensou Anderson, enquanto esperava o laptop desligar pra poder ir embora do trabalho. Honestamente, os últimos 4 anos não foram fáceis pra ninguém, mas pra ele, tudo parecia pior. Faziam 6 meses que tinha saído de um relacionamento de quase 20 anos.
"Impressionante como esse computador decide fazer dez mil atualizações numa sexta-feira à noite. Inferno!"
Anderson já tinha saído com algumas pessoas, mas nada para além do bom papo e algumas doses de whiskey. Ele até criou um perfil em um aplicativo de relacionamentos, mas sem muito sucesso. Ele olhava atentamente cada minuto do relógio, enquanto aguardava as atualizações serem instaladas. E nessa mistura de tédio, por começar mais um fim de semana sozinho, e raiva, por um tal sistema operacional caríssimo e de péssima funcionalidade (tanto quanto uma "janela" virada pro muro), Anderson decide entrar no tal aplicativo, em busca de aventuras eróticas.
"Não é possível que, num oceano de pessoas, eu não encontre alguém que esteja afim de... opa! Alguém me respondeu".
- Olá, prazer. Anderson.
- Oiii... Prazer, Renata. Mas pode me chamar de Renatinha.
- Prazer, Renata.
O laptop seguia em sua octagésima sétima reinicialização, o relógio já estava na casa das 20h e a conversa continuava fluindo.
- Mas e aí? Bora se vê hoje?
- Vamos nos ver sim.
Relevar erros ortográficos e gramaticais é uma verdadeira prova de fogo pra Anderson. Nada fora do comum, pra um PhD em literatura, que viveu uma relação de décadas com uma médica cientista.
- então bora. Eu moro aqui perto do centro. Tem um barzinho massa que toca sertanejo. Vou te mandar a localização.
"Foda-se! Estou puto e com tesão. Não tem música ruim que vá diminuir a minha libido".
- Manda a localização, que já já eu chego.
Ele deixou o laptop ligado, desligou as luzes do escritório e partiu em sua missão de gozar (me perdoem o trocadilho) à vida. Chegando no local, Renata já estava na primeira cerveja e comendo um espetinho com farofa. Ele sentou, pediu uma dose de whiskey e começou a conversar com a dita cuja.
- Mas e aí... o que você faz da vida?
- Eu sou produtora de conteúdo.
- Nossa... legal.
"Ah não! Mais uma alma perdida nesse mundo de famosos anônimos desprovidos de qualquer capacidade cognitiva. Bom, pelo menos ela é divertida e muito atraente".
O papo ia fluindo, já passava da meia-noite e, a cada cerveja, Renata demonstrava total incapacidade em formular uma frase que respeitasse as normas da ABNT. Mas, devido as circunstâncias, Anderson não estava se importando... muito menos seu falo, que já se encontrava "a meio mastro".
- Então... minha casa é aqui pertinho. O que você acha da gente ir lá pra você conhecer? Quem sabe a gente leva umas bebidas, bota um som mais tranquilo ou assiste um filme...
- Pode ser.
Ambos chegaram no apartamento, botaram um som e abriram um vinho. A tensão sexual só aumentava. A essa altura do campeonato, Anderson já estava convicto que o jejum genital chegaria ao fim. Renata decidiu tomar um banho, vestiu uma camisola confortável, voltou para a sala e, ali, iniciou-se um frenesi de línguas e mãos. Ela sentou sobre seu colo, desceu lentamente, ajoelhou-se, desabotoou a calça marrom cor de fezes saudável, olhou penetrantemente para Anderson e disse:
- Vai gostoso... bota esse pau pra fora pra mim chupar.
O coração de Anderson congelou... o suor frio descendo pelas têmporas, um calor gélido que crescia exponencialmente em seu corpo...
- Eu acho melhor ir pra casa. Me desculpa.
- Por que? Você é casado?!
- Não mais, mas não é por isso.
- Se for porque ele não subiu, não tem problema. A gente pode ficar se pegando, você pode...
- Obrigado pelo cuidado, mas não é isso.
- Relaxa lindo. Hoje em dia é super normal não conseguir ter uma ereção...
- Esse não é o meu problema, juro. Não tenho mais idade pra ter vergonha disso.
- Tem certeza? Porque ele tá bem molinho.
- Lógico! Olha, eu não quero ser grosso mas... pra "mim" chupar?! Não dá! Desculpa. Minha "paudurecência" resiste a muita coisa, mas erro de concordância não dá. Desculpa.
Anderson foi embora, mas eles não perderam o contato. Ainda se falaram algumas vezes e, algumas semanas atrás, Renata convidou Anderson, agora namorando, para seu aniversário e recebeu um presente maravilhoso de seu colega.